Muito tem repercutido o pronunciamento do presidente da república, Jair Bolsonaro, acerca de um artigo da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT que, segundo ele, prescreve que todo empresário, comerciante etc. que foi obrigado a fechar o estabelecimento por decisão do respectivo chefe do executivo, no caso do governador e/ou prefeito, poderá atribuir os encargos trabalhistas aos mesmos.
O presidente da república, em sua fala, está se referindo ao artigo 486 da CLT, que foi alterado no ano de 1951 por uma Lei, a de número 1.530, decretada e sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas, passando assim a ter a seguinte redação em seu caput: “ no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.”
A responsabilização do pagamento da indenização pelo governo prevista no referido artigo leva o nome de “fato do príncipe” (“factum principis”), que é uma espécie do gênero “força maior”, configurado pela paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal.
Para a sua caracterização é necessário que haja um evento inevitável e imprevisível, o qual o empregador não tenha concorrido para o seu acontecimento e que impossibilite a continuação da atividade, no total ou de forma parcial.
Elucida-se ser um artigo alterado na CLT na década de 50 e que muito pouco foi aplicado na prática, inclusive com poucas decisões judiciais a respeito.
Por esta razão, caberá interpretações diversas com relação a sua aplicabilidade no caso concreto, pois, conforme insinuado pelo presidente da república, eventual medida judicial a ser tomada pela empresa afetada será em face dos governos estadual e / ou municipal que determinaram, através de decreto, a restrição de funcionamento de algumas atividades e até mesmo suspensão total.
Contudo, os governos estaduais e municipais provavelmente sustentarão que o decreto foi motivado pelo estado de calamidade pública decretada pelo governo federal.
Em assim sendo, observa-se que as restrições impostas pelos governos municipais e estaduais ocorreram por acontecimento alheio a suas vontades, decorrente de fator externo, iniciado, inclusive, em outro continente, no caso na Ásia, mais especificadamente na cidade chinesa de Wuhan.
Diante disso, entendo não ser aplicável no caso envolvendo o novo coronavírus (COVID-19), haja vista que a motivação para o ato praticado pelas autoridades municipal e estadual (decretos de restrições e suspensão de atividades) não ter origem nos respectivos espaços territoriais (munícipio ou estado), tampouco ter sido realizado em decorrência de livre iniciativa, mas sim em atendimento as recomendações dos órgãos da saúde no tocante ao chamado “isolamento social”, sendo aqui evocado o artigo 196 da Constituição federal – CF que prescreve que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Diferentemente seria se, por exemplo, o município ou o estado realizassem a desapropriação de área onde se encontra estabelecimentos empresariais ou comerciais ou em caso de fechamento de ruas ou avenidas para a realização de obra pública de livre iniciativa e interesse do município ou estado, situações estas em que aplicaria o prescrito no artigo 486 da CLT.
Fábio Henrique Pejon - Sócio da GREVE • PEJON Sociedade de Advogados