A questão da sucessão de bens localizados fora do Brasil é um tema que envolve complexidades jurídicas, especialmente em um contexto de globalização crescente, em que indivíduos com patrimônio em diversos países precisam lidar com diferentes sistemas legais. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão no Recurso Especial nº 2.080.842 (Resp 2.080.842), proferida pela 3ª Turma, esclareceu importantes aspectos sobre a limitação da jurisdição brasileira em questões sucessórias que envolvem bens situados fora do território nacional.
1. A Limitação da Jurisdição Brasileira
A decisão do STJ estabelece que a jurisdição brasileira não possui competência para tratar da sucessão de bens localizados fora do Brasil. Isto é, os tribunais brasileiros não podem exercer jurisdição sobre a transferência de bens que se encontram no exterior, uma vez que, de acordo com o princípio da territorialidade, os bens localizados em território estrangeiro estão sujeitos às leis daquele país, que têm competência exclusiva para regular tais matérias.
Essa limitação da jurisdição brasileira visa garantir a observância das legislações dos países em que os bens estão situados. Isso reflete uma postura respeitosa das normas internacionais e contribui para a segurança jurídica das partes envolvidas, evitando conflitos de competência e garantindo que as regras locais, com as quais os bens estão diretamente conectados, sejam observadas.
2. Princípio da Territorialidade e as Normas Locais
O princípio da territorialidade, conforme explicitado pelo STJ, é central para a compreensão dessa decisão. Quando um bem se encontra em outro país, as normas jurídicas daquele país, que regem a sucessão de bens situados em seu território, prevalecem sobre as leis brasileiras. Essa é uma premissa fundamental do direito internacional privado, que reconhece que, embora a sucessão seja tratada conforme a nacionalidade do falecido em alguns aspectos, os bens que estão em jurisdição estrangeira devem ser regidos pelas leis locais.
Este entendimento do STJ busca assegurar que a transferência de propriedade e os procedimentos sucessórios observem as particularidades de cada país. Dessa forma, mesmo que o de cujus (falecido) tenha a nacionalidade brasileira, a sucessão dos bens situados fora do país deve seguir as regras do país em que esses bens se encontram, respeitando, assim, a soberania e a legislação de outros Estados.
3. A Importância da Decisão para a Segurança Jurídica
A definição do STJ proporciona maior segurança jurídica tanto para os herdeiros como para os administradores de bens localizados no exterior. Em um cenário globalizado, em que muitas pessoas mantêm patrimônio em diversos países, é crucial que as regras que regem a sucessão de bens sejam claras e previsíveis, a fim de evitar litígios entre jurisdições e garantir que os direitos de todos os envolvidos sejam respeitados.
Além disso, a observância das leis locais e a limitação da jurisdição brasileira em questões sucessórias fora do território nacional favorece o cumprimento dos tratados internacionais de sucessão, como a Convenção de Haia de 1989, que tem o objetivo de unificar e harmonizar as regras sobre sucessão internacional, estabelecendo procedimentos e princípios que buscam simplificar e agilizar o processo sucessório entre os Estados signatários.
4. A Implicação para a Prática Jurídica
A decisão do STJ reforça a necessidade de um conhecimento aprofundado das legislações internacionais e dos tratados que regem a sucessão de bens no exterior. É importante que os profissionais que lidam com casos envolvendo patrimônio internacional orientem seus clientes sobre a necessidade de se submeter às normas dos países onde os bens estão localizados, respeitando as regras processuais e evitando a aplicação da legislação brasileira de forma inadequada.
A implementação dessa diretriz também exige que os tribunais brasileiros se abstenham de julgar casos em que haja bens situados fora do Brasil, a não ser que haja um vínculo claro com a jurisdição brasileira, como a nacionalidade do falecido ou a residência habitual no Brasil, conforme estabelecido em tratados bilaterais ou convenções internacionais que envolvam a matéria.
Artigo realizado por Matheus M. B. Catozzi, Departamento Contratual.